Sunday, June 10, 2007

Bola cai......


Morávamos num 3º andar sem elevador num prédio antigo da Graça. Era pequenino mas tinha bastante luz. Uma das janelas da sala dava para aquilo a que pomposamente chamávamos, “a varanda”.

Era uma tira de cimento (ou betão????) com pouco mais de um palmo de largura, com o chão forrado a ladrilhos e protegido por um “muro” até à altura da cintura, mais ou menos. A grande vantagem é que podíamos ter as portas da “varanda” sempre abertas sem qualquer problema porque, como não tinha nenhuma abertura, não corríamos o risco do Papucha cair. Ele em pé, bem esticado, conseguia chegar com a mão ao parapeito, só isso!

Depois de ter passado os três primeiros meses de vida a chorar, transformou-se numa criança razoavelmente simpática. Não era de grandes sorrisos, não gostava de colo mas também não chateava muito desde que estivesse alguém por perto. Detestava estar sozinho!

Para conseguir cozinhar habituei-o a vir para a cozinha comigo tendo o cuidado de não ter nada perigoso nas zonas mais baixas por onde ele andava. Por exemplo, nas portas por baixo do lava-loiças, onde normalmente há detergentes, nós tínhamos dois cestos, um com batatas e outro com cebolas e alhos que ele adorava tirar para fora, limpar com uma fralda e voltar a arrumar nos cestos.

Essa era uma das brincadeiras dele enquanto nós tratávamos do almoço ou do jantar, ao mesmo tempo que mantinha uma animada conversa em “papuchês”, à qual nós íamos respondendo, nem sempre da forma que ele queria.

Num sábado, tinha ele uns dois anos e qualquer coisa, o ritual repetiu-se, nós fazíamos o almoço, o Papucha limpava batatas e cebolas e ia falando connosco. Ao fim de algum tempo achei que a conversa dele era um tanto repetitiva e prestei mais atenção, ele estava mesmo a cantarolar “…bola cai!.... bola cai!...” olhei com mais atenção e percebi que ele repetia a frase enquanto se deslocava, de gatas, entre a sala e a cozinha. Fui atrás dele a tempo de ver que ele chegava à varanda, punha-se em pé com a ajuda da porta e do muro, pegava na batata que tinha trazido na mão, esticava-se, atirava-a para a rua e depois repetia “…bola cai!” com um ar todo contente e voltava para a cozinha.

Fui a correr espreitar pela varanda e qual não é a minha aflição quando vejo o passeio cheio de batatas e cebolas e…., aí entrei em pânico, o meu almofariz! É um almofariz pequeno, de bronze, que estava numa das prateleiras da sala e que pesa 200gr (acabei de ir pesá-lo). Agarrei no Papucha para lhe explicar que aquilo não se fazia mas, ao mesmo tempo disse ao pai que tinha que ir lá abaixo, pelo menos o almofariz tinha que ser recuperado.

Ele lá foi, muito contrariado e todo envergonhado, na esperança de não ser visto por ninguém! Dum lado da porta da rua tínhamos uma mercearia e do outro uma pastelaria, assim que ele pôs a cabeça de fora pensando que não havia ninguém por perto, ouve a voz da senhora da pastelaria:

- Não se preocupe, as crianças são mesmo assim! Olhe as do 1º andar até pratos deitavam cá para baixo!!!!.....

Imagem1: http://www.solucionathica.com/wp-content/uploads/2007/01/568006401.jpg

Imagem2: http://a-internet-para-as-domesticas-ja.weblog.com.pt/despensa/batatas.jpg

Imagem3: www.leiloeira-rr.com/.../21setembro/dsc03104.jpg

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